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Os cientistas destruíram a ciência

Publicado originalmente em inglês por Jo Zayner em 6 de julho de 2022 e traduzido por Camila Cristane


Para conferir a publicação original, clique aqui.


Notas da tradutora:

  1. Este texto foi escrito dentro do contexto de um cientista formado nos EUA. No entanto, qualquer pessoa que tenha tido a sua formação científica no Brasil e que tenha o mínimo de consciência sobre as principais diferenças entre estas trajetórias poderá perceber que temos muito mais problemas em comum do que divergências culturais.

  2. Pode ser um pouco difícil de absorver algumas das provocações trazidas aqui, principalmente diante do presente momento de desmonte e ataques às instituições acadêmico-científicas promovidos pelo atual governo Brasileiro. No entanto, são exatamente estas provocações que podem nos aproximar de verdadeiramente democratizar e ampliar tanto o acesso quanto o prestígio da ciência no Brasil.

  3. Contém linguagem explícita, que pode ser considerada inapropriada para todas as idades, incluindo o uso de palavrões e descrições gráficas de violência.


 
Os cientistas destruíram a ciência



Se você se sentasse e explicasse a um não-cientista como a ciência realmente funciona, eles ficariam estupefatos. Que bom motivo qualquer cientista poderia ter para publicar seu trabalho atrás de um paywall (muro de pagamento) um ano depois de coletar os dados? Ou não compartilhar dados, reagentes e informações com quem pergunta? Por que os cientistas se preocupam tanto com qual revista publica seu trabalho? Por que a distribuição de recursos científicos é tão desigual? Por que os cientistas estudam tanta merda sem sentido? Por que há tanta fraude?


Não sou tipo um historiador da ciência nem nada. Eu realmente não posso te dizer se houve um tempo em que a ciência era livre como no Biohacking. Liberdade para explorar o que quisesse. Mas é bastante evidente hoje em dia que a ciência se afastou muito de suas raízes idealizadas. O objetivo da ciência é difundir o conhecimento e diminuir o sofrimento humano, mas de alguma forma os cientistas acabaram fazendo exatamente o oposto. Como a ciência acabou assim? Isso deixa a maioria das pessoas confusa porque os cientistas deveriam ser os mais inteligentes entre nós. Aqueles que podem pensar por si mesmos usando lógica e conhecimento e, portanto, não são facilmente manipulados. O que todos nós não percebemos é que os cientistas são tão falíveis quanto qualquer outra pessoa. Eles mentem, trapaceiam e roubam. Eles podem ser racistas, sexistas e agressores sexuais. Eles estão presos em uma bolha intelectual que eles criam em torno de suas vidas, cheias de pessoas que pensam e agem da mesma maneira. A homogeneidade do pensamento científico criou uma prisão que não permite mais que os cientistas se importem com algum tipo de verdade. Os objetivos tornaram-se superficiais como fama e dinheiro. A motivação é mais parecida com uma empresa de email marketing do Vale do Silício que pensa que vai mudar o mundo do que com a busca altruísta por conhecimento que é retratada. Isso não seria um problema se não víssemos os cientistas como um sacerdócio que nos entrega a verdade e os fatos de forma imparcial. Mas como a verdade e os fatos reais podem ser tão dependentes da falibilidade humana?


Em 1980, a lei Bayh-Dole foi aprovada (nos EUA). Eu vejo isso como um ponto de virada na ciência. Antes dessa época, a pesquisa feita por meio de doações financiadas pelo governo federal não era tão facilmente patenteável pelas universidades e licenciada para as empresas. O governo supôs que talvez a razão pela qual as empresas não estivessem comercializando descobertas e invenções científicas fosse porque não era tão fácil obter patentes exclusivas. A Bayh-Dole faz com que pesquisas financiadas pelo governo possam ser mais facilmente protegidas por patentes e vendidas por aqueles que fazem a pesquisa. Antes dos anos 80 que eram os bons velhos tempos. O ganhador do Prêmio Nobel Peter Higgs (que deu nome ao bóson de Higgs, sabe, a partícula fundamental que dá massa às coisas), que fez todo o seu trabalho antes de 1980, afirmou que não seria capaz de ocupar um cargo de professor em academia de hoje porque ele não seria considerado produtivo o suficiente. A maioria dos professores com quem trabalhei na pós-graduação terminaram seus doutorados na década de 1980 e afirmaram algo semelhante. Eles nunca teriam conseguido um emprego hoje em dia. Vai saber se Bayh-Dole foi o catalisador, mas a cultura da ciência moderna tornou-se mais um análogo com o capitalismo. Por mais que você _S2_ capitalismo porque você leu o primeiro capítulo de “A Riqueza das Nações” de Adam Smith, a ciência e o capitalismo estão em desacordo da mesma forma que a medicina e o capitalismo não funcionam (a única maneira pela qual a medicina pode ganhar mais dinheiro é se as pessoas estiverem doentes ou forem cobradas mais pelos medicamentos de que precisam, ambos negativos para o consumidor). Os cientistas precisam de dinheiro para fazer ciência. Mas não há como medir com precisão quão bons são os cientistas, e ninguém pode realmente prever quais pesquisas científicas serão benéficas para a humanidade. A solução que os cientistas criaram: distribuí-la de forma diversificada entre todos os tipos de pessoas e universidades para criar mais oportunidades para que a inovação ocorra? HAHAHAHAHAHAHA…. Não! O que eles realmente fazem é dar dinheiro para pessoas que frequentaram boas escolas, trabalharam com pessoas famosas e têm um bom histórico de publicações científicas. Agora, isso não parece nem um pouco problemático *sarcasmo*.




Nunca houve um ponto na história em que a ciência fosse tão desprovida de significado. Os objetivos se tornaram crescer o financeiro, o número de pessoas em seu laboratório, o número de publicações que você tem e a fama. Especialmente agora com a comercialização em massa de descobertas acadêmicas e a competitividade de bolsas e publicações, nunca poderia haver menos razão para compartilhar dados não publicados/não patenteados ou compartilhar “conhecimento científico”. Essa ideia de que os cientistas são um sacerdócio de pessoas que dedicaram suas vidas a resolver os problemas do mundo com grande sacrifício para si mesmas é completamente falsa. Os próprios cientistas promovem essas fantasias. Eles colocam essas capas de que seu único desejo é a busca da verdade. É assustador como isso é semelhante a crescer na igreja. Todos temem que, se admitirem falhas e fracassos, ou tentarem consertar o sistema, o encanto será quebrado. O véu será levantado. Todos vão perceber que foram enganados. Então, em vez disso, todo mundo finge que tudo está perfeito. Mas não é perfeito. E às vezes seu padrasto dá um soco na sua cara a caminho da igreja. Para em um posto de gasolina para você limpar seu nariz sangrando. Aparece lá, apertando mãos e louvando ao Senhor como se nada tivesse acontecido. A Igreja não é um lugar onde você encontra espiritualidade. É um lugar onde você pode fingir que já tem.


A ciência não é um lugar onde você encontra a verdade. É um lugar onde você pode fingir que já a conhece. Os cientistas não fazem experimentos para aprender coisas tanto quanto fazem experimentos para apoiar uma opinião. Parece muito fácil de manipular, certo? Como cientista, você não fala sobre como repetiu o experimento dez vezes, mas só publica os resultados da vez em que obteve os resultados “corretos”. Você não fala sobre como VOCÊ sozinho decide se aquela medição no instrumento foi um erro experimental, então você pode simplesmente jogar os dados fora. Talvez fosse, talvez não. Ideias científicas são roubadas com tanta frequência que existe até um termo para isso sendo cunhado. Você não fala sobre quanta fraude é cometida. Como, diariamente, os trabalhos científicos são retratados por causa de fraude e isso é apenas o óbvio. Como, quando eu trabalhava na NASA, me pediram para revisar os envios de artigos e um artigo era uma fraude tão descarada que tive que denunciá-lo e todos apenas deram de ombros e nada aconteceu.


A instituição da ciência tornou-se completamente corrompida em sua essência, e a essência da ciência são as publicações. O que deveria ser uma simples prática de disponibilizar seus experimentos e dados gratuitamente ao público online, em vez disso, se transforma no estranho ritual de cientistas pagando empresas editoras para colocar seus artigos pré-formatados na internet atrás de paywalls. Esses paywalls forçam todos a pagar para ler esses artigos. E a maioria das pesquisas descritas nos artigos… são financiadas com dinheiro público. Isso obriga outros cientistas, médicos, jornalistas e pacientes terminais a pagar para ver se os dados sobre esse novo medicamento foram importantes o suficiente para salvar a vida de alguém. Mas isso é só o começo. Esses artigos geralmente não contêm dados brutos e muitas vezes os métodos ou detalhes serão deixados de fora ou obscurecidos, tornando mais difícil para as pessoas que pesquisam coisas semelhantes competir com você. Literalmente, você poderia simplesmente redigir seu artigo como faria normalmente e publicá-lo online, gratuitamente para todos lerem, e economizaria bilhões de dólares por ano. E não berre “SCI-HUB!” ou qualquer outro serviço que o ajude a piratear esses artigos. Isso é como recomendar tylenol para inflamação causada pelo chestburster (alien) prestes a sair do seu corpo.


As editoras científicas ganham bilhões de dólares por ano. Bilhões em subsídios do governo e financiamento educacional são usados para limpar a bunda de executivos que não fazem nada além de publicar artigos científicos online. Por que, oh, por que qualquer ser humano razoável, muito menos a elite intelectual entre nós, participaria disso quando qualquer pessoa hoje em dia pode facilmente postar qualquer documento online gratuitamente com pouco ou nenhum esforço? Você pergunta aos cientistas e suas respostas são sempre vagas e imprecisas. Como saberíamos onde encontrar artigos ou como alguém saberia quais artigos ler se não houvesse editoras? Como se as pessoas realmente percorressem os índices e não apenas fizessem uma pesquisa na web por algo como “A privação sexual aumenta a ingestão de álcool nas moscas da fruta”. A realidade é que as editoras tornaram-se os juízes do prestígio de uma obra científica. E se você não jogar o jogo, nunca poderá se tornar prestigiado. Esta é uma das principais forças motrizes na carreira de todos os cientistas. Ser reconhecido. Para obter subsídios. Para receber homenagens e prêmios. Você não chega lá fazendo boa ciência, porque como pode mesmo alguém julgar o valor da ciência feita? Quem pode prever o valor de uma pesquisa ou descoberta daqui a 2, 5 ou 50 anos? Mas a ciência é uma competição agora, então alguém tem que julgá-la.


O que viabiliza esse sistema são as pessoas que dele participam. Cientistas. Por que eles mudariam quando ninguém os está forçando? A necessidade de pertencimento é muito grande e o custo social muito alto para fazer o contrário. A ciência é um clube de “homis” velhos. Um dos mais antigos. Você não escolhe tanto ser um cientista quanto nasce para isso. Se você trabalha para alguém famoso o suficiente, geralmente um homem velho branco em um lugar como Harvard, suas chances de conseguir uma cátedra ou bolsas são exponencialmente maiores. O problema é que ser um grande cientista é algo intangível. Quando eu estava na pós-graduação, costumava desejar que, de alguma forma, o sucesso científico pudesse estar ligado a algo tangível como estatísticas em um esporte. Eu queria que houvesse uma maneira que, se eu praticasse mais ou me esforçasse mais, pudesse me tornar um cientista melhor. Você nunca ouvirá a frase proferida, de que um cientista trabalha com tanto coração, porque o que realmente importa é quem você conhece e onde estudou. Não importa quantas horas eu passei no laboratório ou quantos livros ou artigos eu li. Esses não eram preditores de sucesso acadêmico. Alguns dos cientistas mais inteligentes e esforçados que eu conheço não conseguiram progredir na profissão porque não se encaixavam no molde. Não conheciam as pessoas certas ou não escolheram trabalhar no laboratório de um indivíduo famoso. A cultura da ciência é retratada como uma meritocracia, mas o que eles esquecem de dizer é que existe alguém que decide o que tem mérito ou não. E se você é diferente de alguma forma, basta dizer que as pessoas que decidem o que é boa ciência provavelmente não são como você.


O que destruiu a ciência foram os cientistas. O sistema criou uma corrida para baixo. Quanto mais fraude você comete, quanto mais você rouba o trabalho dos outros ou dá aos seus amigos subsídios e críticas favoráveis, mais bem-sucedido você se torna. As melhores ideias não são bem-sucedidas ou vencem. Nem os melhores cientistas, seja como for que você queira definir isso. A ciência virou “o ganhador leva tudo”, onde um único laboratório pode receber dezenas de milhões de dólares em subsídios, enquanto outros têm dezenas de milhares ou nada. Alguns cientistas têm um orçamento de literalmente alguns milhares de dólares por ano. Como eles competem? É uma grande desigualdade. Como você baseia o sistema científico, que deveria sustentar o mundo, em um senso de direito divino a Harvard?


A única semelhança entre a Scientia e a ciência moderna está no nome. E o nome é o traje feito de pele em que se aplica a loção para nos convencer de que ela ainda não está morta. Para que a ciência se torne outra coisa, ela precisa nascer diferente. Precisa enxergar de forma diferente e crescer não a partir de instituições hereditárias ordenadas por Deus, mas do coração das pessoas. Porra, isso soa cafona, mas é verdade. O Biohacking é isso. É fazer ciência por diversão ou por nenhuma razão. Disponibilizar conhecimento e informação para todos, de forma gratuita, para que todos possam participar. Não é um concurso, não há vencedores, exceto todos nós. Mas enquanto o establishment continuar a perverter a ciência para sua glória individual, haverá um custo para o conhecimento, para a medicina e para o alívio do sofrimento humano.


Precisamos de um novo sistema construído para todos por todos.


Isso é Biohacking.



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